The Room: O “Pior Filme da História” faz 20 anos!

The Room: O “Pior Filme da História” faz 20 anos!

“You are tearing me Apart, Lisa!”

Johnny/Tommy Wiseau

Na última sexta-feira (31), o Estação Net Botafogo, um dos mais tradicionais cinemas de rua da cidade do Rio de Janeiro, realizou uma exibição de The Room (2003), o infame filme que ficou conhecido pela alcunha de “O Cidadão Kane dos Filmes Ruins.” A sessão foi parte da saga dos “Filmes da Meia-Noite”, um projeto da rede de cinemas inteiramente dedicado a exibir “Filmes B” e pérolas do Cinema Trash toda sexta e sábado no horário da meia-noite.

Para os ainda não familiarizados no assunto, aqui vai uma contextualização: uma produção independente, The Room foi escrito, dirigido, produzido e estrelado por um sujeito chamado Tommy Wiseau. Até hoje, pouco se sabe sobre Wiseau (uma figura misteriosa marcada por seus cabelos longos e óculos escuros) e sobre como ele conseguiu o dinheiro para financiar o projeto, que custou cerca de seis milhões de dólares. Originalmente concebido como uma peça de teatro, Wiseau, posteriormente, o transformou em um livro de 500 páginas. Frustrado por não conseguir publicá-lo, decidiu, enfim, realizar um filme baseado na ideia.

Wiseau na estreia de O Artista do Desastre.

Na trama, acompanhamos a história de um triângulo amoroso entre um bem-sucedido banqueiro chamado Johnny (Wiseau), sua futura esposa Lisa (Juliette Danielle) e seu melhor amigo Mark (Greg Sestero). A história acaba por ainda envolver uma série de personagens secundários, como Denny (Philip Haldiman), um jovem que possui em Johnny uma figura paterna.

The Room é uma joia rara. Porém, não por bons motivos. Desenvolvido por meio de uma coletânea de momentos e interações das mais excêntricas entre os personagens, o filme foi um fracasso imenso de público e de crítica em seu lançamento, sendo considerado um dos piores filmes já feitos em toda a história. Entretanto, seguindo a lógica do “É tão ruim que é bom”, passou a ser (e ainda é) exibido e reexibido com frequência em sessões especiais, o que o levou a alcançar, assim, o status de Filme Cult.

Pôster do filme

Em 2017, a história dos bastidores do longa foi retratada no filme O Artista do Desastre, de James Franco, inspirado em um livro homônimo de Greg Sestero (que é amigo pessoal de Tommy Wiseau) onde ele revela como foi o processo de produção (extremamente problemático, por sinal) do filme. Franco (que dirigiu e interpretou Wiseau) chegou a vencer um Globo de Ouro por sua performance no longa- que foi responsável, na época, por despertar o interesse de muito mais gente por The Room.

Sobre o filme em si, pois bem… a direção possui erros claros de continuidade; a montagem é assustadora, com cortes fora de tempo e exaustivas cenas de transição mostrando as paisagens da cidade de São Francisco; as atuações são cômicas de tão artificiais, fazendo com que os personagens se comportem como androides com menos maturidade do que adolescentes de 15 anos de idade; os diálogos são repetitivos e completamente sem sentido, como nas inúmeras vezes em que Lisa afirma que “Eu não quero falar sobre isso”, na necessidade incessante de Mark em deixar claro que “Johnny é o meu melhor amigo” e no hilário momento em que Johnny, ao dar de cara com Mark, deixa subitamente de estar enfurecido por ser falsamente acusado de violência doméstica por Lisa (“Oh, Hi Mark!“).

Indo além, o roteiro insere inúmeras subtramas que não chegam a lugar algum, como é o caso do problema de Denny com um traficante de drogas misterioso e o câncer de mama da mãe de Lisa. Por fim, mas não menos bizarro, nas quase uma hora e quarenta de duração do filme, são incontáveis cenas de sexo (duas delas ocorrem uma seguida da outra, em menos de 20 minutos de projeção) de uma breguice e exagero assustadoras.

Como parte da divulgação do filme, Wiseau alugou um outdoor no centro de Los Angeles.

Dito isso, pode parecer uma ideia conflitante para alguns imaginar que um filme famoso por sua ruindade tenha se tornado em um clássico cult alvo de extrema adoração por uma grande parcela de cinéfilos. Entretanto, são sessões como a realizada no Rio de Janeiro que são capazes de trazer certa compreensão do porquê da realização independente de Tommy Wiseau seja uma febre campeã de exibições nesse tipo de sessão nos Estados Unidos.

Logo na entrada para a sala de exibição, foram distribuídas colheres de madeira para o público, que compareceu em peso e lotou o cinema. O motivo? A maioria da decoração na casa de Johnny são porta-retratos com imagens de colheres, e se tornou tradição durante as sessões do filme que os espectadores arremessem colheres para o alto ao som de gritos de “Colher!” sempre que uma dessas misteriosas e inexplicadas decorações são vistas em cena.

Assim, tão catártica quanto a exibição de qualquer filme da Marvel em sessões de estreia, onde a histeria coletiva dos fãs sempre é destaque, indo além da questão das colheres, essa exibição de The Room foi coroada por risos contínuos do público, recitações dos hilários diálogos em voz alta, com destaque para a cena em que Johnny, irritado com Lisa, profere a frase “You are Tearing Me Apart, Lisa” (uma referência à icônica fala de James Dean em Juventude Transviada, 1955) e pedidos desesperados para que o protagonista não tomasse a sua trágica atitude na parcela derradeira de filme. Uma verdadeira sessão de cinema interativa e uma experiência inegavelmente memorável para os ali presentes.

Sendo assim, de fato é a falta de qualidade de The Room que o faz ser uma obra tão única. Mesmo que pelos motivos contrários aos de um Titanic (1997) ou O Poderoso Chefão (1972), “O Cidadão Kane dos Filmes Ruins” é um filme que também prova como a experiência do cinema é insubstituível. Afinal, coroado por um final digno de uma legítima tragédia Shakespeariana (contém ironia… ou não), esse drama, que se tornou mais uma comédia, possui, independentemente de tudo, um poder de comoção legítimo. Uma proeza, convenhamos, para poucos.

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