Festival do Rio 2023 – Em “Perfect Days” Wim Wenders constrói narrativa cuidadosa sobre solidão, rotina e a beleza nos pequenos momentos da vida.

Festival do Rio 2023 – Em “Perfect Days” Wim Wenders constrói narrativa cuidadosa sobre solidão, rotina e a beleza nos pequenos momentos da vida.

Aclamado por obras como “Paris, Texas” (1984) e “Asas do Desejo” (1987), uma das grandes marcas de Wim Wenders é o rigor estético de seu cinema. Em “Perfect Days” (longa exibido no Festival de Cannes de 2023 e agora parte da seleção de longas internacionais da 25.ª edição do Festival do Rio), o cineasta alemão chega para mais uma vez atestar essa característica ao narrar a história de Haraiama (Kōji Yakusho), um homem de meia idade que trabalha como limpador de banheiros na cidade de Tóquio.

Na parcela inicial de “Perfect Days“, Wenders é econômico nos diálogos (em determinado instante um dos personagens até ironiza sobre o protagonista ser um homem de poucas palavras), apostando na sugestão das imagens para estabelecer uma solidão e vida pacata para o seu protagonista. Com um cuidado e paciência que remetem a “Jeanne Dielman” (1975), da cineasta belga Chantal Akerman, a câmera do alemão filma detalhadamente a rotina do personagem interpretado pelo japonês Kōji Yakusho, enquanto a montagem é de ritmo cadenciado e a trilha sonora (uma seleção impecável de artistas como Lou Reed e The Animals) aparece para fortalecer sentimentos apenas em momentos específicos.

Vencedor do prêmio de Melhor Ator em Cannes, o trabalho de Kōji Yakusho também é fundamental para essa construção. Ao longo da projeção, sua atuação é contida, focada em uma expressividade e linguagem corporal suaves, despertando ternura por meio do olhar solitário desse humilde limpador de banheiros, um homem dedicado ao seu trabalho e grande observador de detalhes do cotidiano- sempre registrados por ele por intermédio de uma câmera.

Para além dessa solidão e do silêncio, o mistério também cerca a figura de Hiraiama. Deixando apenas pequenas sugestões a medida em que as figuras de sua irmã e de sua sobrinha são apresentadas, em nenhum momento o filme se preocupa em elucidar questões sobre o seu passado. O foco é o presente, e nele, Hiraiama, um indivíduo “de baixo”, parece sempre almejar algo maior e que soa inalcançável- ideia essa representada, acima de tudo, pelos inúmeros momentos em que ele contempla a Skytree de Tóquio, um símbolo que transmite riqueza e modernidade nos enquadramentos em contra-plongée de Wenders.

Assim, se há em “Perfect Days” a paciência comparada anteriormente à de Jeanne Dielman na construção de seu universo fílmico, é necessário deixar claro como que, principalmente em suas conclusões, o longa de Wenders é o oposto da influente obra de Akerman. Em dado momento da parcela final, um encontro inusitado leva Hiraiama a uma reflexão. Nela, no lugar da tragédia como consequência de uma vida de vazios, a esperança presente na rotina e nos pequenos momentos é predominante, em uma sequência final que consagra Yakusho com uma das atuações mais poderosas de 2023.

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