Em 2021, Laranja Mecânica completa 50 anos de seu lançamento original nos cinemas. Escrito e dirigido por Stanley Kubrick, o filme, lançado em 1971, foi baseado em um romance homônimo, de 1962, do escritor britânico Anthony Burgess, onde são abordados temas como psicologia, psiquiatria, delinquência e diversos outros assuntos sociais e políticos no contexto de uma Inglaterra um tanto quanto futurística e distópica, o que foi mantido, de forma geral, na adaptação para o cinema, fazendo com que ela se tornasse uma das obras mais polêmicas de seu tempo e de toda a história da sétima arte até hoje.
Comentar um filme de Kubrick nunca é uma tarefa simples. Dono de um perfeccionismo inconfundível, o cineasta, falecido em 1999, ao longo de sua carreira de somente 13 longas-metragem, sagrou-se como um dos maiores da história do cinema, realizando obras atemporais nas mais diversas categorias, como Filme épico (Spartacus) Ficção-Científica (2001: Uma Odisseia no Espaço) e Terror (O Iluminado). Além disso, o diretor colecionou polêmicas e controvérsias relacionadas ao seu comportamento e metodologia nos bastidores dos filmes e, como é o caso de Laranja Mecânica, nos temas e acontecimentos retratados ao longo de sua carreira.
A história de Laranja Mecânica nas telas começou quando Kubrick recebeu uma cópia do romance de Burgess do roteirista Terry Southern. Na época, ele vinha da realização de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) e trabalhava no grande projeto de sua vida que ele nunca realizou: Uma cinebiografia sobre Napoleão Bonaparte. Deixando de lado esse segundo, Kubrick escreveu o roteiro do filme seguindo de maneira bastante fiel a obra original. Ao longo da projeção, acompanhamos a história de um sociopata apaixonado por leite, música clássica (principalmente as obras de Beethoven) e “ultraviolência” chamado Alex DeLarge. Ele lidera uma gangue de delinquentes que cometem uma série de crimes, até ser preso e enviado para um centro de reabilitação, onde será testada uma nova técnica de recondicionamento psicológico (“Técnica Ludovico”) promovida pelo governo.
Seguindo o manual “Kubrickiano”, a produção de Laranja Mecânica foi, em linhas gerais, sem grandes problemas. As filmagens ocorreram entre abril de 1970 e setembro de 1971. Para o papel de Alex, Kubrick escolheu o ator Malcolm McDowell, que vinha de um certo destaque no filme “If…“, de 1969. Se, em uma análise geral, a produção esteve livre de grandes complicações, foi Mcdowell quem protagonizou episódios que poderiam ter mudado completamente essa história. Reza a lenda que, durante as filmagens da icônica sequência do tratamento psicológico, o ator teve uma córnea de um dos olhos arranhada, fato que o deixou temporariamente cego. Junto disso, na também icônica cena do show de humilhação no palco, McDowell chegou a quebrar mais de duas costelas.
Lançado em Dezembro de 1971, Laranja Mecânica foi um grande sucesso de crítica e público, que não economizaram elogios aos desempenhos do elenco; a direção, como sempre, sofisticada de Kubrick; o uso da música e a representação da sociedade distópica, que envolvem o Design de Produção, Direção de Arte e Fotografia, assim como suas críticas sociais e temas profundos abordados, que incluem moralidade, tendo como foco central a questão do que é realmente bom ou mal, e a psicologia, principalmente a corrente conhecida como Behaviorismo, que defende, em linhas (extremamente) gerais, ideias como a de que o comportamento humano pode ser entendido por meio das ações dos indivíduos, que por sua vez seriam previsíveis e possivelmente controladas por meio de estímulos.
O tratamento de Alex é, basicamente, o ponto central desses temas no filme. Ele é um indivíduo moralmente “mal” e, por isso, é submetido a um tratamento que pretende controlar suas ações e mudar esse seu comportamento por meio de estímulos externos, onde, no caso específico da obra, seriam imagens de violência ao som das sinfonias de Beethoven, afim de causar uma tortura psicológica em sua mente. Ao final do tratamento, ele deixa de ser “mal”, porém, não por livre e espontânea vontade. Agora, Alex possui um comportamento “bom”, mas robotizado e mecânico, por conta do trauma causado, que o impede de cometer crimes. Logo, ele se torna uma Laranja Mecânica: Um indivíduo orgânico/humano por fora e robotizado/mecânico por dentro. Afim de evitar entrar em acontecimentos da trama muito relevantes e específicos, que fique claro, porém (e somente), que já é de se imaginar que as expectativas do governo não são lá tão alcançadas…
Apesar disso, existe um contudo nessa história. Como já dito, Laranja Mecânica carrega também o “título” de uma das obras mais controversas e polêmicas da história do cinema. Por conta de sua ultraviolência explícita, com cenas que retratam, sem-pudor, acontecimentos como estupros e morte por espancamento, o filme foi censurado em diversos países, que alegaram que ele inspirou casos de violência verídicos, levando até mesmo ao próprio Stanley Kubrick exigir da Warner Bros. que retirasse o filme de circulação até a sua morte. Quando questionado sobre o assunto, o diretor afirmou que “atribuir tais acontecimentos sugestivos a um filme, entra em desacordo com a visão cientificamente aceita de que, mesmo com uma hipnose profunda, uma pessoa não pode ser obrigada a fazer coisas que estejam em desacordo com a sua natureza”.
Hoje, 50 anos depois, Laranja Mecânica, de qualquer forma, é altamente reconhecido como um dos mais importantes filmes da história do cinema, marcando presença nas mais renomadas listas com o intuito de eleger os melhores filmes já feitos. Dito isso, é importante ressaltar que, para os padrões de hoje, o longa de Kubrick, para muitos, nem um filme violento é, o que nos leva a reflexão de como é incrível notar as mudanças ao longo do tempo e a diferença que fazem os contextos e épocas em que obras são realizadas e lançadas. No início dos anos 70, a violência nas telas não era algo muito comum, tendo em vista que, até mesmo mecanismos de censura eram utilizados um pouco antes dessa época pela própria indústria americana, o que torna o filme de Kubrick em um marco para um tratamento mais aberto de um aspecto tão presente na nossa sociedade desde os seus primórdios.
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