O Poderoso Chefão 50 anos: Coppola e um dos melhores filmes da história!

O Poderoso Chefão 50 anos: Coppola e um dos melhores filmes da história!

“Vou fazer uma oferta que ele não poderá recusar.”

Don Corleone (Marlon Brando)

Logo no início de O Poderoso Chefão (1972), longa do cineasta norte-americano Francis Ford Coppola que completa 50 anos de seu lançamento original em 2022, a audiência é nocauteada com uma das sequências de abertura mais icônicas da história do cinema. E não por conta dessa ser uma cena de ação regada a efeitos especiais e sucessivos e desnorteantes cortes. Nela, na verdade, a figura de Don Corleone, o patriarca de uma família mafiosa interpretado magistralmente pelo ator Marlon Brando, está sentada nas sombras, em sua mesa, numa posição de respeito e plenitude, onde indivíduos recorrem a sua pessoa para realizar alguns pedidos ao “Padrinho” (No original, o nome do filme é The Godfather, que se traduz o padrinho). De forma quase que paradoxal e contraditória com as atividades realizadas por Don Vito Corleone e com os métodos (ou propostas ireecusáveis, como ele mesmo chama em um dos diálogos mais icônicos do filme) utilizados por ele para que seus apadrinhados tenham seus pedidos atendidos, o patriarca se apresenta como uma figura serena e diplomática.

Marlon Brando e Francis Ford Coppola nos bastidores de O Poderoso Chefão.

O que torna, porém, os supracitados primeiros minutos das três horas de projeção em uma das melhores e mais eficazes sequências de abertura de um longa-metragem em toda a história é como Coppola, como o grande diretor que é, já estabelece para a sua audiência, de maneira sútil e extremamente envolvente, qual é o clima do longa e o que podemos esperar daquele momento em diante. Estamos assistindo a história de uma imponente e luxuosa figura, que goza de influência para manipular as peças necessárias de um jogo, seja ele qual for. Consequentemente, todos a sua volta lhe devem cortesias e uma certa veneração.

Deixando claro que estamos diante de uma obra como jamais vista na história da sétima arte até aquele momento, que ajudaria a moldar o cinema hollywoodiano dos anos 70, o que acompanhamos no restante do filme são os desdobramentos e a trajetória como um todo da família Corleone no meio de intermináveis alianças, acordos, traições e mortes. Tudo isso na busca dessa família e de seus rivais pela hegemônia e cada vez mais influência nas ativiades que exercem.

A história por trás de O Poderoso Chefão começa na literatura, com o livro best-seller homônimo do escritor ítalo-americano Mario Puzo, lançado em 1969. A Paramount Pictures, ao se deparar com o sucesso do livro, não demorou para adquirir os direitos de adaptação da obra. Naquela época, Francis Coppola era um dos nomes mais quentes de Hollywood, tendo em vista que o jovem já havia vencido um oscar de melhor roteirista por por seu trabalho em Patton: Rebelde ou Herói?(1970). Assim, o estúdio não mediu esforços para contratá-lo para a dirigir e escrever o filme. Para elaboração do roteiro, vale ressaltar que a Paramount também trouxe o próprio Mario Puzo, o que foi um acerto, já que, assim, o longa consegue manter a fidelidade à obra original aliada com um enriquecimento temático provindo da visão de Coppola para história de ascensões e quedas dentro da família Corleone.

Mario Puzo (esq) e Coppola.

Apesar de, ao longo da trama de O Poderoso Chefão, acompanharmos a história de indivíuduos envolvidos em esquemas de crimes organizados e afins, Francis Ford Coppola faz questão de deixar a sua audiência o mais próximo possível das ações, relacionamentos e valores dessa família, onde os seus membros nutrem fortes noções morais como a honra, o respeito e a lealdade (“Você se dedica a sua família? Um homem que não se dedica a família jamais será um homem de verdade”, afirma Vito Corleone em um dos diálogos mais icônicos da obra). Tudo isso é posto em xeque para que, diferente de como eram nas histórias de máfia dos primórdios do gênero, no início dos anos 30, nós não enxerguemos esses indivíduos simplesmente como criminosos sujos e descartáveis.

Esse aspecto, inclusive, gera até hoje discussões sobre uma possível visão glamourizada da máfia promovida por Coppola, algo que não é assim tão simples de se bater um martelo sobre. É fato que o glamour está presente, mas não para tornar a família Corleone em mocinhos inocentes e exemplos a serem seguidos pela sociedade, mas sim para representá-los como heróis de suas próprias histórias e trajetórias como imigrantes italianos vivendo o sonho americano, algo que muitos estudiosos afirmam ser um dos temas centrais de O Poderoso Chefão.

A família Corleone em cena.

Além disso, vale ser ressaltado como que o filme não tem receio ou pudor em mostrar para o público o lado sujo das atividades dos Corleone. O cinema americano do início dos anos 70, vivia um período de mudança. Após décadas de censura pelo chamado Código Hays, os jovens cineastas daquela época se viam com mais liberdade para abordar temas sociais e a violência de forma mais explícita, algo que resultou em algumas das obras mais influentes do movimento que ficaria conhecido como “A Nova Hollywood”, no qual Francis Coppola e O Poderoso Chefão estão inseridos como alguns dos maiores expoentes. O diretor não tem medo de chocar sua audiência com o uso da violência ao longo do filme, seja ela com tiroteios, enforcamentos e afins. Na verdade, nem mesmo o tão bem tratado “animal de estimação” de um dos alvos das propostas irrecusáveis de Don Corleone consegue se sair ileso no meio dessa trama onde os fins justificam os violentos meios (paremos por aqui com detalhes. Se você já assisitu o filme, provavelmente sabe do que estamos falando).

A trajetória de Michael Corleone, o filho de Don Corleone, intepretado por um ainda em início de carreira e cheio de vigor Al Pacino, é capaz de representar de forma impecável essa jornada marcada pela dualidade e oposição entre o glamour e a decadência moral. No início da projeção, Michael é alvo de orgulho dos Corleone. O jovem serviu na guerra e diz para si mesmo, assim como é o desejo de seu pai, que não se envolverá nos negócios da família- “Essa é a minha família, Kay. Não sou eu.”, afirma ele para a personagem interpretada por Diane Keaton, com quem ele está se relacionando, quando descreve para ela os métodos de barganha de seu pai. Porém, como se fosse algo inevitável, o destino chega para Michael, que deverá aceitar ir de mocinho cujo o pai, inicialmente, desejava que seguisse uma carreira como um político de respeito, seja esse um governador ou um senador, para o novo chefe dos negócios da família.

Al Pacino e Marlon Brando em cena.

A jornada de Michael começa com ele mostrando que não nega ser um Corleone. Quando é enviado para ter sua “iniciação”, com um plano para eliminar uma pedra no sapato dos Corleone em que ele mesmo foi fundamental na elaboração, o jovem aparenta ser muito mais experiemte nos negócios da família do que se esperava, como se esse fosse um talento natural dos membros dessa dinastia de mafiosos. Nos momentos finais de O Poderoso Chefão, após o desenrolar de todos os acontecimentos com a magnífica direção de Coppola, muito rica em elementos de filmes Noir clássicos, Michael assume seu papel como líder da dinastia. Enquanto, por ordens suas, um por um de seus rivais são eliminados, o novo Don faz os juramentos religiosos no batizado do filho de sua irmã. A montagem, que ao longo das três horas de filme é fluida, com os aconteciementos se desenrolando de forma candenciada, porém, sem nunca deixarem de ser envolventes, intercala de maneira assertiva as mortes com as frases recitadas por Michael na igreja, onde, entre outras coisas, ele jura renunciar a satã. O resultado, aqui, é um clímax dos mais impressionantes e memoráveis da história do cinema.

Mais memorável ainda é a cena derradeira de O Poderoso Chefão. No início do longa, como dito, Michael Corleone é apresentado como o mocinho. Se antes ele transitava por ambientes a céu aberto e bem iluminados e no seu primeiro momento em cena estava vestido com sua farda de militar, agora, após negar a sua esposa que teria sido ele quem havia mandado assassinar os líderes das famílias rivais dos Corleone, Michael ocupa a mesma posição que seu pai no início da projeção. Trajado com as finas e tradicionais vestes que são quase marca registrada daqueles indivíduos de moral dúbia, o personagem de Al Pacino, agora, está nas sombras, no mesmo ambiente fechado e de pouca iluminação em que o antigo Don Corleone escutava os pedidos de seus apadrinhados. Agora, aquele mocinho do início já não existe mais. Desse momento em diante, só há um novo e Poderoso Chefão para levar adiante um legado de gerações da família originária da província de Sicília, na Itália.

O novo Chefão surge.

Depois daqui, o longa, o seu diretor e seu elenco de estrelas passaram a ser alguns dos nomes mais cultuados em toda a indústria do cinema, com O Poderoso Chefão encabeçando sempre as principais listas que visam eleger as melhores realizações cinematográficas da história. Em 1974, Coppola lançou a continuação da saga de Michael Corleone. O Poderoso Chefão: Parte II foi outro grande sucesso, que além de dar continuidade a históira do primeiro filme, revisitou também o passado de Vito Corleone, que no filme teve sua versão jovem interpretada por Robert De Niro. Em 1990, o diretor, depois de muito relutar, decidiu retomar seu foco para os Corleone, dessa vez para dar um desfecho a trajetória de Michael e da família, encerrando com O Poderoso Chefão: Parte III uma daquelas histórias que poderão se passar 50, 60, 70… 100 anos, que continuarão sendo das mais importantes e lembradas para compreender o porquê de certos filmes, serem muito mais do que somente filmes.

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