Poucas obras atravessaram décadas com a força simbólica de IT. Desde o romance de Stephen King, a figura de Pennywise deixou de ser apenas um vilão para se tornar um arquétipo do horror moderno: o monstro que se alimenta do medo, que se molda aos traumas mais íntimos de suas vítimas e transforma o cotidiano em um campo minado de terror. Mas IT nunca foi apenas sobre o palhaço. Sua força sempre esteve, também, nos laços humanos — crianças unidas pela amizade, usando esse vínculo como escudo contra algo muito maior do que elas. Não à toa, sua influência ecoa claramente em fenômenos contemporâneos como Stranger Things.
Depois de uma adaptação televisiva marcante nos anos 1990, IT encontrou nova vida nos cinemas em 2017, sob o comando de Andy Muschietti. Ainda que a releitura não tenha sido tão aprofundada quanto o material original, ela foi eficiente e marcou época. A segunda parte tropeçou, é verdade, mas não apagou o fato de que Muschietti se consolidou como um nome relevante do terror contemporâneo. Mesmo com deslizes fora do gênero — como o problemático Flash —, é no horror que o diretor demonstra total domínio de linguagem.
IT: Bem-Vindos a Derry nasce justamente dessa segurança criativa e de uma necessidade clara da HBO: explorar a vasta mitologia construída por Stephen King. Pennywise retorna em ciclos de 27 anos, e Derry é uma cidade condenada a sofrer com explosões recorrentes de violência e morte. A série se passa no ciclo anterior aos filmes, funcionando como uma prequel direta, mas também como uma porta de entrada para novos espectadores que ainda não tiveram contato com esse universo.
O mérito de Muschietti está em ir além do óbvio. King sempre construiu um universo literário interconectado, onde histórias e personagens dialogam entre si. Bem-Vindos a Derry entende isso e se posiciona não apenas como uma expansão de It, mas como um ponto de convergência para outras narrativas do autor. Derry se torna, aqui, um verdadeiro epicentro do horror, abrindo espaço para conexões que remetem tanto a O Iluminado quanto a Um Sonho de Liberdade. A HBO e a Warner enxergam esse potencial e transformam a série em uma engrenagem poderosa para futuras explorações desse mundo.
No aspecto do terror, a série é impiedosa. Diferente de narrativas mais confortáveis, onde protagonistas parecem sempre protegidos pelo roteiro, Bem-Vindos a Derry deixa claro desde o início que ninguém está realmente seguro. Pennywise, ainda em um ciclo em que reina soberano, age sem receio, livre para saciar sua sede de sangue. O encontro com Dick Hallorann, um iluminado que surpreende a criatura, reforça a ideia de que, embora o mal esteja à solta, existem forças capazes de enfrentá-lo — mas não sem custo.
Esse senso constante de ameaça é o grande trunfo da série. O primeiro episódio funciona como um aviso: esta é, acima de tudo, uma história de terror. Ao resgatar o medo genuíno pela segurança de seus personagens, Muschietti devolve ao gênero um elemento que muitas produções recentes deixaram de lado. O espectador não assiste com conforto; ele observa com tensão, esperando o pior.
Mesmo recorrendo a ferramentas clássicas — e por vezes repetitivas — do gênero, Bem-Vindos a Derry evita cair na mesmice. Há conveniências narrativas e decisões questionáveis, mas elas não são suficientes para comprometer a experiência. Andy Muschietti e Barbara Muschietti, sua irmã e parceira de produção, reafirmam-se como nomes centrais do terror moderno, capazes de equilibrar espetáculo, violência e atmosfera.
No fim, IT: Bem-Vindos a Derry é mais do que um derivado oportunista. É um exercício de horror consciente, que respeita o legado de Stephen King e o expande com personalidade. Assim como Johnny Cash transformou Hurt, do Nine Inch Nails, em algo ainda mais poderoso, a série eleva o universo de IT a um novo patamar. Falta apenas Stephen King brincar — ou admitir — que, talvez, Pennywise já não pertença só a ele.

Leave a Reply