Logo nos primeiros minutos de Oppenheimer, o cineasta Christopher Nolan estabelece um mecanismo que se perpetua pelo restante do filme inteiro. Enquadrado em contra-plongée, o personagem de Cillian Murphy, Robert Oppenheimer (físico que nomeia o longa e que ficou conhecido pela alcunha de “O Pai da Bomba Atômica”), observa com um olhar fixo uma poça d’água para, subsequentemente, a montagem inserir imagens alternadas de explosões e fissões nucleares que funcionam como visões da mente do próprio protagonista.
Fica claro, a partir disso, uma das principais intenções do novo longa de Nolan, que retorna aos cinemas após Tenet (2020), lançado ainda na pandemia de covid-19, para com a sua audiência: conceber uma narrativa que sintetize as tensões da elaboração e dos testes de uma bomba atômica e, especialmente com relação às inúmeras sequências como a mencionada anteriormente, a tensão psicológica do homem por trás de sua criação.
Dito isso, se uma das grandes críticas ao cinema de Christopher Nolan é a ocasional falta de tato do diretor em lidar e desenvolver as emoções humanas de seus personagens, Oppenheimer consegue ir um bocado além desse paradigma- e não que os personagens aqui sejam profundos ou possuam dramas que façam com que o público embarque em suas motivações ou se envolva fortemente com eles. Isso pode não acontecer, mas a ideia da imersão na mente de Robert Oppenheimer persiste na maior parte do tempo.
No decorrer do filme, acompanhamos, concomitantemente ao processo de criação da arma nuclear em si, a forma como o protagonista enxerga o mundo ao seu redor, como essa sua visão peculiar moldou sua jornada, e as consequências político-sociais e psicológicas dele ter se tornado, justamente, o “Pai da Bomba Atômica”. O responsável direto pela invenção de uma arma de destruição em massa.
Nesse contexto, a atuação de Cillian Murphy consegue nos conectar com Oppie- forma como o protagonista é carinhosamente apelidado por pessoas próximas. Sobretudo nos momentos da projeção onde Nolan sabe explorar alguns closes no rosto do ator em que sua inquietante expressão de olhos arregalados traduz, sem a necessidade de uma palavra sequer, as emoções e conflitos que esse personagem sente.
Além de Murphy, a montagem e o som são os grandes aliados de Nolan nessa jornada. A tensão se desenolve pela alternância entre diferentes passagens do tempo e entre os pontos de vista de Oppenheimer e de Lewis Strauss (Robert Downey Jr.), construídos a base de diálogos nos tradicionais moldes dos roteiros do diretor, que expõe as questões científicas e políticas daquele contexto. O design de som e a trilha sonora de Ludwig Göransson, por sua vez, são poderosos, intensificando ruídos e acordes agudos e graves de acordo o que cada cena transmite- como é o caso da pertubação mental de Oppenheimer movida pela culpa, onde o personagem escuta sons que vão de um choro incômodo, a pés em atrito com um assoalho reproduzindo uma marcha vigorosa.
Esses artifícios de linguagem atingem seu ápice na tão falada sequência da explosão com efeitos práticos. O capricho técnico de Nolan se destaca, envolvendo a audiência nesse seguimento por meio da alternância de imagens que vão do plano fechado na mão trêmula de um dos personagens instantes antes de pressionar o botão que detonará o artefato; dos grandiosos planos gerais do fogo advindo da explosão tomando conta do céu; até as reações impressionadas dos participantes do experimento com o que veem- momento esse que, primeiramente explora a tensão do silêncio, onde só escutamos suspiros, para depois sermos pegos de surpresa pelo estrondoso som da primeira explosão nuclear da história.
Assim, se Christopher Nolan é um diretor que sempre compreendeu o espetáculo, o seu maior acerto em Oppenheimer é conseguir fazer com que toda a sua técnica não soe gratuita. Aqui, ela é um alicerce em prol da nossa compreensão de todo o medo e angústia por trás das armas nucleares, e da complexidade enquanto indivíduo e figura histórica do personagem que ele decide nos revelar as particularidades.
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