Crítica- The Flash explora os dilemas do personagem abraçando sem amarras o cômico e a mitologia da DC nas telas.

Crítica- The Flash explora os dilemas do personagem abraçando sem amarras o cômico e a mitologia da DC nas telas.

Existem filmes que parecem vir ao mundo destinados a dividirem as opiniões do público e da crítica. Desde que fez sua estreia nas telas em 2013 com O Homem de Aço, a ideia de um Universo Compartilhado da DC Comics nas telas, inicialmente comandado por Zack Snyder, parece ter se “especializado” em tal ofício, tendo em vista que, ao longo de toda uma década, foram inúmeros os lançamentos inspirados nos heróis da editora que passaram longe de ser unanimidade- e que acabaram, como consequência, por forçar a Warner a repensar o que almejava para a franquia.

Dito isso, se grande parte dos fãs dos heróis da DC agora nutrem certa esperança pelo futuro desse universo no cinema, por conta da chegada de James Gunn (Guardiões da Galáxia, O Esquadrão Suicida) para ocupar o cargo de líder criativo dessas produções, The Flash, ainda um resquício de uma era pré-Gunn, é um filme que mais uma vez servirá à essa ótica das opiniões mistas- e independente de suas qualidades enquanto filme em si, o longa-metragem soa quase como um milagre de ser testemunhado, tendo em vista os incontáveis percalços enfrentados pela produção nos últimos anos, que foram da troca de diretores e roteiristas, à pandemia de Covid-19 e até os problemas legais de seu protagonista Ezra Miller.

No filme, após descobrir acidentalmente sua habilidade de viajar no tempo, Barry Allen (Miller) decide voltar ao passado para evitar a morte de sua mãe, de quem seu pai foi culpado e condenado à prisão injustamente. Entretanto, suas ações acabam por terem efeitos trágicos, levando-o a ficar preso em uma realidade na qual o General Zod (Micahel Shannon) está de volta para destruir a terra. Assim, para tentar consertar seus atos, Barry terá que recorrer a versão do Batman desse universo (Michael Keaton) e a Supergirl (Sasha Calle) em busca de ajuda.

Buscando transparecer a ideia central de um herói velocista de metabolismo acelerado, The Flash é, acima de tudo, um filme que se assume como uma autêntica aventura de heróis, prezando, em meio a essa ideia, por um tom dinâmico para os acontecimentos. Esse caráter aventuresco e enérgico fica claro logo nos primeiros minutos de projeção, inteiramente dedicados a uma sequência de ação em Gotham City que é encenada pelo diretor Andy Muschietti de forma bastante hábil, com sua câmera se movendo agilmente pela ação e com a montagem fazendo com que os aconteciemntos tenham ritmo mas sem serem cansativos ou confusos- uma lógica que se perpetua ao longo de quase todo o filme, sendo muito bem-vinda sobretudo nos momentos que envolvem posteriormente o Batman de Keaton e a Supergirl de Calle.

Os poderes do herói, por sua vez, principalmente a viagem no tempo em si e a intangibilidade, são abordados com uma linguagem de tons piscodélicos e até experimentais por Muschietti. Indo além, existe um legado singelo de Zack Snyder, com algumas sequências em câmera lenta e enquadramentos em planos abertos que buscam ressaltar a grandiosidade e um tom épico para esses heróis.

Para além da questão da agilidade, The Flash é um filme que também aposta em um tom cômico e cartunesco, elaborado principalmente por meio do humor irreverente da comédia propriamente dita e por alguns momentos específicos da ação, onde até mesmo o CGI, que provavelmente desagradará aqueles que presam pelo realismo estético nos filmes de herói, se torna um aliado dessa proposta. Abertamente mais artificial, aqui, a técnica fica ainda mais nítida por conta da fotografia de altos contrastes, que sugere planos mais limpos e “claros” destoantes das fotografias mais “escuras” de tantos outros blockbusters e produções de herói contemporâneas.

Todos esses fatores juntos, de toda forma, não ofuscam a forma como o filme aborda os dramas e os dilemas que cercam esse personagem- se tornando, na verdade, aliados para tal. O encontro de dois Barry Allens de épocas diferentes (com Ezra Miller entregando um bom trabalho em fazer com que a versão jovem do herói e a mais experiente soem como dois indivíduos ligeiramente diferentes), assim como o encontro de Barry com a versão do Batman de Michael Keaton (onde o filme entrega descargas de nostalgia arrepiantes para a audiência), se tornam alicerces para que o personagem compreenda melhor não só a si mesmo enquanto pessoa, mas para que ele também aceite que certos acontecimentos, que moldam quem somos, se tornam inevitáveis aos olhos do destino- e aqui, tendo sido a ausência de um molho de tomate a causa indireta da morte de sua mãe, a metáfora de um prato de macarrão com molho de tomates preparado pelo Bruce Wayne de Keaton para explicar as consequências trágicas de suas viagens no tempo, se torna uma bem-humorada sacada do roteiro.

Em sua parcela derradeira (que grande parte das primeiras reações ao longa descreveram como “confusa”), para arrematar essas reflexões em torno do personagem título, The Flash ainda promove uma conclusão que abraça de vez a ideia de ser um filme de heróis cômico sobre o multiverso, abordando esses componentes de sua narrativa como forma de celebração a toda a mitologia desse universo. Aqui, para que Barry Allen compreenda o peso de suas ações, o apelo vai de ícones aclamados até autorreferências e fan services que reconhecem e chegam até mesmo a brincar com “memes” e piadas relacionadas a versões renegadas dos principais heróis da DC nas telas. É a aceitação sem amarras desse universo, sem relegar até mesmo o seu lado anormal.

Sendo assim, The Flash é, em suma, um filme que se enxerga como uma aventura de heróis dinâmica, nostálgica e caricaturesca, que não tem receio de elevar isso a níveis absurdos em sua conclusão- e a soma disso tudo ter como resultado um filme que divida opiniões é inevitável.

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