Festival do Rio 2024: Em “O Quarto ao Lado”, Almodóvar tem em Julianne Moore e Tilda Swinton suas principais aliadas para combinar as sutilezas de seu cinema com as qualidades de um Ingmar Bergman

Festival do Rio 2024: Em “O Quarto ao Lado”, Almodóvar tem em Julianne Moore e Tilda Swinton suas principais aliadas para combinar as sutilezas de seu cinema com as qualidades de um Ingmar Bergman

Em “O Quarto ao Lado”, o aclamado cineasta espanhol Pedro Almodóvar (Tudo Sobre Minha Mãe, A Pele que Habito) realiza o seu primeiro longa-metragem em inglês. Premiado no Festival de Veneza 2024 com o Leão de Ouro, o filme — que agora faz parte da seleção internacional do Festival de Cinema do Rio — é uma adaptação do romance What Are You Going Through, de Sigrid Nunez.

Na trama, Ingrid (Julianne Moore) e Martha (Tilda Swinton) são duas amigas que, quando jovens, trabalharam juntas na mesma revista. Anos depois, Ingrid se tornou escritora de ficção e Martha, correspondente de guerra. Afastadas por muito tempo, as amigas se reencontram e se reaproximam numa situação peculiar e desafiadora: sofrendo com um câncer terminal, Martha está em busca de uma companhia para enfrentar o medo de passar seus momentos finais sozinha.

Logo no início da projeção, a Ingrid de Julianne Moore é questionada por uma fã sobre suas crenças em relação à morte. Em sua resposta, a escritora afirma que não consegue entender como algo que está vivo pode simplesmente morrer. O reencontro com a Martha de Tilda Swinton, dito isso, se torna o mais próximo que se poderia imaginar para essa personagem de uma jornada de compreensão, não só sobre vida e morte, mas também sobre relações familiares e amorosas, além das particularidades que tornam cada um de nós em indivíduos únicos.

É na figura da jornalista de Swinton em que a escritora de Moore, portanto, encontra um verdadeiro livro aberto, explorando suas memórias enquanto convive com a tensão da partida iminente da amiga. Quanto a isso, é notável como a estrutura proposta por Almodóvar remete diretamente a um filme de Ingmar Bergman. Não apenas pelas reflexões do texto, com longos diálogos e trocas entre os personagens — que logo lembram aquelas pelas quais o diretor sueco se tornou famoso em suas mais icônicas obras — mas também pela própria mise-en-scène do espanhol.

A presença das duas veteranas e talentosas atrizes principais é uma das grandes forças de Almodóvar, assim como foi com Bibi Andersson, Liv Ullmann, Ingrid Bergman e Harriet Andersson nas obras-primas de Bergman, como “Persona” (1960), “Gritos e Sussurros (1972) e “Sonata de Outono” (1978). A dinâmica entre Swinton e Moore em cena, a forma como o diretor espanhol as enquadra e posiciona nos ambientes, sempre buscando conexão e proximidade entre suas figuras, o uso dos close-ups como outra ferramenta criativa fundamental do processo, a poesia das imagens das atrizes refletidas, e a serenidade de momentos singelos — como Swinton observando a neve ou na ambientação da casa onde ela escolhe fazer sua partida — não falham em encher a tela de imagens poderosas.

“O Quarto ao Lado”, portanto, é esse emaranhado de discussões e tramas onde Bergman encontra a sutileza e a sensibilidade de Almodóvar. E é esse toque que faz a diferença, já que a autoria do realizador espanhol não é abandonada em nenhum momento, refletindo-se no seu tradicional método metódico de lidar, por exemplo, com os objetos de cena e com as cores, onde o vermelho e o verde reverberam de forma marcante nos cenários e figurinos.

Assim, a jornada de compreensão de Ingrid e de libertação de Martha é uma das mais tocantes e sensíveis aos olhos de quem testemunha tantos sentimentos equilibrados com tamanha sensibilidade artística e imagética.


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