Em 2018, Pantera Negra não foi apenas um sucesso de bilheteria; foi um marco cultural. Com sua estética afrofuturista, sua celebração da ancestralidade africana e o cuidado meticuloso com direção de arte e figurino, o filme de Ryan Coogler abriu portas para que o cinema de super-heróis fosse reconhecido como uma forma de expressão artística legítima – e não apenas um produto polido da máquina Marvel. A paixão visível por trás do projeto lhe garantiu um lugar raro na história: foi o primeiro longa do gênero a disputar o Oscar de Melhor Filme. Em 2025, essa mesma paixão ressurge com força em Olhos de Wakanda, série animada da Disney+ que expande a mitologia de Wakanda com uma elegância surpreendente.
Dirigida por Todd Harris, ilustrador veterano do MCU que aqui assume a direção completa pela primeira vez, a série é uma jornada visual arrebatadora que cruza séculos de história humana. Seus quatro episódios percorrem cenários como a Guerra de Troia, a China imperial e a Etiópia do século XIX, tudo filtrado pela perspectiva dos Hatut Zeraze – a força secreta wakandana, os chamados Cães de Guerra. Essa estrutura episódica e histórica fragmentada tem um efeito paradoxal: afasta-nos dos personagens individuais, mas aproxima-nos de um conceito mais amplo, mais profundo – o custo humano da lealdade cega a um ideal nacional.
Se Pantera Negra nos apresentou a Wakanda como utopia, Olhos de Wakanda explora o lado sombrio desse mesmo projeto. A série propõe um exame moral corajoso: o que uma nação exige de seus guardiões? Que sacrifícios silenciosos sustentam o brilho de um reino que prefere operar nas sombras? A narrativa é menos sobre os indivíduos e mais sobre o que eles representam dentro de uma engrenagem que atravessa gerações. É uma análise do pertencimento como peso, e do heroísmo como ferida.
Esteticamente, a série é um espetáculo. Com um estilo visual que mistura personagens em 3D anguloso (lembrando Star Wars: A Guerra dos Clones) com cenários belamente renderizados em tons aquarelados, Olhos de Wakanda é, em cada quadro, uma pintura em movimento. Mas não se trata apenas de visual: essa beleza também serve para evocar a grandiosidade épica necessária à pergunta central da série – o que permanece e o que se corrompe com o passar do tempo?
Em um mar de produções que se debatem entre fanservice e fórmulas exauridas, Olhos de Wakanda se destaca por algo raro: clareza de propósito. A série não tenta agradar todos os públicos com piadas fáceis ou participações especiais; ela se compromete com a ideia de que o universo Wakandano pode, e deve, ser veículo de reflexão, identidade e arte.
Assim como Pantera Negra redefiniu o que um blockbuster pode ser, Olhos de Wakanda reafirma que ainda há espaço para ousadia e densidade no gênero. E mais: mostra que o legado de Wakanda – com suas contradições, suas dores e sua beleza – está longe de se esgotar.
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